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‘Contratos de adesão deveriam passar por discussão’, afirma diretor do Procon-SP

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Agruras consumeristas

Depois de caminhar pelos amplos corredores da Fundação Procon em São Paulo, na região central da cidade, o diretor Luiz Orsatti Filho pergunta ao repórter, enquanto se acomoda em uma das salas do prédio: “O que você achou do espaço?”. Ato contínuo, elenca as prioridades do órgão durante a sua gestão, entre elas levar a instituição para outro espaço físico, mais moderno e receptivo aos consumidores.

Luiz Orsatti Filho

Orsatti Filho é advogado de formação e servidor de carreira do governo estadual paulista, com boa parte de sua trajetória construída na secretaria de Justiça, e foi nomeado para a direção do Procon-SP em 19 de setembro deste ano.

À revista eletrônica Consultor Jurídico, ele diz que, “sem dúvida alguma”, os setores de turismo e entretenimento geraram o maior volume de trabalho para o órgão consumerista nos últimos meses, tendo em vista o processo de recuperação judicial da empresa 123Milhas, a crise da plataforma Hurb e o show da cantora americana Taylor Swift no estádio do Palmeiras.

O setor de serviços essenciais, segundo ele, também deu trabalho ao órgão, principalmente por causa da crise gerada pela negligência da concessionária de energia elétrica Enel. A empresa, diz Orsatti Filho, foi multada em mais de R$ 12 milhões, em processo que ainda tramita.

Na esteira da discussão sobre consumo online, que inclui cambismo, golpes financeiros (Orsatti Filho passou recentemente pela CPI do PIX na Câmara dos Vereadores da capital) e debates sobre a atuação de empresas de tecnologia, o advogado cita que os contratos de adesão, aqueles formulados pelas empresas em sites de compras e nos quais, invariavelmente, os consumidores clicam “eu aceito” deveriam ser melhor escrutinados pelo poder público.

“De fato, termos, cláusulas e contratos de adesão deveriam passar por uma discussão. Afinal de contas, o impacto deles na sociedade, no consumo e nos consumidores é muito grande”, diz o diretor. “A informação para o consumidor tem de ser clara e cristalina.”

Sobre outro caso que ganhou notoriedade nessa temática, a proibição de compartilhar senhas do aplicativo de streaming Netflix, Orsatti Filho diz que o Direito do Consumidor foi ferido porque os termos de uso não eram claros. E a plataforma acabou multada em cerca de R$ 5 milhões pelo órgão.

Falando sobre as prováveis demandas futuras dos consumidores, ele diz que o Procon-SP já estuda como as questões climáticas vão afetar o mercado de seguros. Eventos extremos se tornarão recorrentes, e as empresas não poderão mais alegar que desastres climáticos são “eventos extraordinários” para negar os direitos do segurado.

Leia a entrevista na íntegra:

ConJur – Qual é o balanço destes três primeiros meses como diretor do Procon-SP?
Luiz Orsatti Filho – O consumidor, muitas vezes, não tem informação, não sabe onde buscar essa informação. Então esse é um dos pilares dessa gestão, é difundir, ampliar a questão da prevenção, no sentido de orientação. Tendo um consumidor bem informado e um fornecedor instruído, a probabilidade de termos problema nessa relação é muito menor. Esse foi o primeiro item que nós detectamos. O segundo seria reestruturação. Estamos fazendo um planejamento estratégico, discutindo com todas as diretorias. Outra questão é também interna, que é a reestruturação física. Estamos procurando imóveis, pretendemos mudar de sede, dar uma sede mais adequada tanto para o servidor quanto para o consumidor que queira vir ser atendido.

ConJur – Nesse período em que o senhor está na diretoria, quais áreas geraram mais reclamações?
Luiz Orsatti Filho – [Em primeiro lugar] O setor de turismo. A 123 Milhas e a Hurb têm dado muito trabalho interno, são numerosas reclamações que demandam todo o tratamento, o encaminhamento depois de instauração e averiguação preliminar pela fiscalização, em razão do grande volume de pessoas que foram prejudicadas. Esse público, especialmente desses dois fornecedores, é um público que atua na internet, então o número de reclamações foi muito grande. O segundo grande segmento é o entretenimento, que envolve a questão dos shows, venda de ingressos. E o terceiro, serviços essenciais: água, energia e gás. Em razão da grande quantidade de consumidores, são sempre um ponto. Esse episódio de 3 de novembro, da ventania, da chuva (apagão sob a gestão da Enel), capitalizou um pouco mais também a atuação do Procon nesse segmento.

ConJur – Em relação às queixas contra a Enel, o que foi feito pelo Procon?
Luiz Orsatti Filho – Com o evento, nós já pegamos as nossas unidades móveis e colocamos na rua para orientar o consumidor acerca de seus direitos. Reforçamos os atendimentos presenciais nos Poupatempos, bem como nas delegacias que a gente tem. Depois, nós instauramos algumas apurações preliminares com relação ao evento, a primeira delas focada no fornecimento de energia. Houve apuração também com relação ao SAC das concessionárias; paralelamente, nós notificamos todas as concessionárias, não só a Enel, para que prestassem as informações sobre o restabelecimento do fornecimento de energia, que era a questão mais urgente. Nós notificamos a Enel para que prestasse informações. Ficou comprovado que houve consumidor que não teve restabelecido o fornecimento de energia no prazo adequado. Só fazendo um paralelo: nem sempre a resolução da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, órgão responsável por fiscalizar a concessão) casa com o Código de Defesa do Consumidor. Lá, existe previsão legal de reparação dos equipamentos de energia danificados em razão do pico do restabelecimento de energia, mas não há previsão de ressarcimento de outros bens que teriam sido estragados, como medicamentos e alimentos. Para nós, vale o CDC, e o dano deve ser reparado. E assim foi a atuação do Procon. Então, com relação ao estabelecimento, como houve um fato notório, tinha ainda consumidor havia mais de 48 anos sem energia, nós impusemos uma multa à Enel, que ainda está numa fase para apresentar recurso, no valor máximo de R$ 12,7 milhões.

ConJur – Uma multa só?
Luiz Orsatti Filho – Por ora, uma multa só. Por que por ora? Porque há outras apurações preliminares em andamento. Uma delas é sobre o SAC.

ConJur –
E quanto às ações da Enel para isentar determinados consumidores que foram lesados de pagar contas de luz por três meses, qual a posição do Procon-SP?
Luiz Orsatti Filho – Essa iniciativa da Enel é positiva, mas, claro, ela não é suficiente para atender a um evento que abrangeu mais de dois milhões de pessoas. Provavelmente o número de pessoas beneficiadas por essa ação não vai chegar a 50 mil.

ConJur – E com relação aos eventos relacionados aos shows da Taylor Swift? Houve, inclusive, intervenção da Secretaria Nacional do Consumidor para que fosse permitida a entrada com água…
Luiz Orsatti Filho – Em todo grande evento nós chamamos os organizadores para sentar na mesa, primeiramente para ouvir o que eles estão fazendo, entender. Com relação à questão da água, já era de entendimento anterior que o consumidor tem direito de entrar nos estabelecimentos com água, com comida. Essa questão foi inicialmente discutida, salvo engano, anteriormente, na questão dos cinemas, se o consumidor podia ou não podia entrar no cinema com a pipoca, com garrafa, com refrigerante. O Procon teve seu entendimento de que, sim, é possível, e sim, é um direito do consumidor. O fornecedor não pode bloquear essa atitude do consumidor. A Senacon reforçou o entendimento que o próprio Procon de São Paulo tinha, foi positivo porque deu ampla divulgação e nós, claro, imediatamente reforçamos isso nos shows.

ConJur – Com relação a essa questão da água, especificamente, vocês conseguem fiscalizar esse tipo de permissão que as pessoas têm?
Luiz Orsatti Filho – É claro que a gente não consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Nos grandes eventos, porém, o Procon-SP tem estado presente em todos eles. Se a organização do evento se opuser (à entrada com água) e houver algum tipo de proibição, e o Procon estiver presente, é claro que faremos autuação.

ConJur – Outro ponto delicado foi o compartilhamento de senhas que a Netflix proibiu. O Procon-SP chegou a multar a empresa?
Luiz Orsatti Filho – Eles apresentaram os argumentos deles com relação ao compartilhamento de senhas. Agora não vou lembrar. O Procon-SP instaurou uma investigação preliminar, consolidamos as reclamações dos consumidores, notificamos a empresa ao final do processo. Também impusemos uma multa de R$ 5 milhões. Houve uma redução de reclamações, e aparentemente essa questão se apaziguou.

ConJur – Qual foi a violação que a empresa de streaming cometeu?
Luiz Orsatti Filho – A Netflix, de modo unilateral, mudou esse conceito de domicílios, não mais permitindo que é ‘onde você está’, e, sim, que tem de ser um local físico. Isso foi gerando todo o problema com relação ao consumidor. Para nós, a questão da transparência é fundamental, a informação para o consumidor tem de ser clara e cristalina. O consumidor, quando lê um termo de uso, lê um contrato, lê qualquer coisa, ele tem de ter a noção clara das implicações, não pode haver dúvidas, e esse foi o principal motivo para nós termos aplicado a multa à Netflix.

ConJur – Em relação à proteção ao consumidor, o contrato de adesão é o principal desafio do Procon-SP?
Luiz Orsatti Filho – É um deles. O consumo em massa, de fato, só existe graças a alguns instrumentos. É o caso do contrato de adesão, dos termos de uso, que muitas vezes têm cláusulas abusivas e de fato isso deve ser combatido. Ao mesmo tempo que pode ser um instrumento para prejudicar o consumidor, ele também é um instrumento que facilita a atuação pública, dada a sua abrangência de consumidores. Mas, de fato, termos, cláusulas e contratos de adesão deveriam passar por uma discussão. Afinal de contas, o impacto deles na sociedade, no consumo e nos consumidores é muito grande. São empresas que teriam de ter uma responsabilidade com relação ao consumidor, ter essa iniciativa de pelo menos vir aqui ao Procon e dizer: ‘Olha, estamos lançando assim, o que vocês acham, o que podemos fazer?’. Hoje, (com) o estrago feito a gente tem de autuar, tem de multar, isso gera uma insatisfação do cliente, o fornecedor pode perder esse cliente para outros, (há) uma concorrência enorme e a gente espera essa iniciativa também dos grandes fornecedores. A gente sentiu essa dificuldade no caso da Netflix, a gente tinha o último termo de uso, mas não tinha os anteriores. Então o consumidor não tinha acesso aos termos de uso anteriores.

ConJur – Alguns aplicativos têm adotado um modelo de negócios de oferta e demanda algorítmica. Uma corrida com motorista, por exemplo, pode variar de preço em questão de minutos. Esse modelo está de acordo com o CDC?
Luiz Orsatti Filho – Olha, é uma questão que deve ser mais discutida. Há uma regra na economia que diz que, quanto maior a demanda, mais o preço pode aumentar. Se esse preceito (de aumento abusivo) estiver de fato sendo aplicado, como eventualmente pode acontecer, de R$ 10 aumentando para R$ 200, como a gente vê eventualmente em questões de greve, isso é preciso ser verificado de uma forma individualizada. Mas vale a regra da oferta e da demanda, claro, dentro de um equilíbrio que não é abusivo nessa relação.

ConJur – Assembleias estaduais e o Congresso Nacional estão discutindo uma lei sobre ‘amostras grátis’, casos em que o banco deposita determinado valor não requisitado na conta do consumidor, por vezes no âmbito de um empréstimo fraudulento ou que não foi pedido. Como o Procon-SP avalia essas propostas?
Luiz Orsatti Filho – Tenho dúvidas sobre o aspecto jurídico. Por um erro, o banco manda dinheiro para a conta do correntista. Uma questão que, num primeiro momento, a gente entende é que não é possível vislumbrar ser uma amostra grátis. Por exemplo, a questão de um crédito consignado não solicitado pelo consumidor. Isso pode ser considerado uma amostra grátis, quando verificado que foi por um erro ou, pior, por uma fraude de algum funcionário? É uma questão que a gente precisa aprofundar, delinear muito bem os fatos, porque as consequências, principalmente numa sociedade de consumo em massa, seriam muito complicadas, inclusive para o próprio sistema financeiro.

ConJur – Qual a sua percepção sobre a proposta de privatização da Sabesp, do ponto de vista do consumidor?
Luiz Orsatti Filho – Não temos atuação com relação à decisão de privatização da Sabesp. Para o Procon, é uma empresa como qualquer outra e, eventualmente, nós tratamos das reclamações. A Sabesp não figura entre as mais reclamadas do estado aqui, pelo menos nos registros aqui do Procon. O que revela que ela presta um bom serviço ao consumidor e ao cidadão. Sobre sua privatização, é uma deliberação do governo, houve já a votação, que foge da atuação do Procon. Há muito tempo não há nenhuma multa imposta à Sabesp. Mas, de qualquer forma, é uma grande empresa, que presta um serviço para um grande número de consumidores e, claro, isso pode potencializar eventuais reclamações, mas de uma maneira geral, ela não figura entre as mais reclamadas.

ConJur – Do ponto de vista processual e administrativo, qual é o maior gargalo do Procon-SP? A execução da multa?
Luiz Orsatti Filho – Não tenha dúvida de que a execução é um problema, mas é uma questão da responsabilidade da empresa. Cada uma tem sua política sobre proteção à defesa do consumidor e, principalmente, respeito ao consumidor. Mas acredito que um grande gargalo nesses atos administrativos é o tratamento das informações. Quando chega o relato do consumidor e chega, enfim, a resposta, os argumentos do fornecedor, esse tratamento, que é feito pelo especialista aqui no Procon-SP, é o que demanda mais trabalho, considerando o volume de reclamações que nós recebemos diariamente e a complexidade de cada caso.

ConJur – Olhando para o futuro, o que está na perspectiva do Procon-SP?
Luiz Orsatti Filho – Uma coisa importante: o caminho da nossa reestruturação, da retomada, do nosso protagonismo, uma parte disso caminha para o Procon ser novamente uma referência não só com o consumidor, mas com o próprio sistema. Procons de outros estados, municípios, Senacom, MP, Defensoria… E um caminho nesse sentido é a retomada das comissões técnicas. Estamos focando na fiscalização, no comércio eletrônico e em eventos climáticos. Eventos climáticos serão recorrentes. O que dizem os cientistas, a academia, o consumidor?A gente vai colocar todo mundo na mesa para entender essa questão e entender os desdobramentos. A questão de seguros, que sempre envolvem uma cláusula clássica de não cobrir eventos extraordinários. Quais seriam as consequências disso? Porque não serão mais eventos extraordinários.





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