Ao apagar das luzes (com o perdão da imagem) de 2023, o Operador Nacional do Sistema (ONS) publicou um ótimo relatório. Falo do Plano de Operação Elétrica de Médio Prazo, ou PAR-PEL 2023. É uma riqueza de detalhes técnicos; e de preocupações, ainda que não enfatizadas. Talvez por isso tenha passado despercebido na última semana do ano.
A notícia boa é que a inserção das fontes renováveis variáveis (FRVs), como eólica e solar, foi muito bem-sucedida. Os 38 GW atuais dessas duas fontes chegarão a mais de 100 GW em 2027. Para que você tenha uma ideia, o consumo máximo, também em 2027, será de 108 GW. Assim, em período de elevada radiação, mais de 90% do consumo no Brasil poderá ser atendido só pela solar (50%) e eólica (40%). Um grande feito.
O problema: quando às FRVs são somadas as demais usinas (hidro, térmica etc.), o total da geração, em 2027, poderá alcançar 281 GW, tudo para suprir os 108 GW. É uma sobra cavalar, inédita em todo o mundo. Em determinados meses, a partir de 2025, esse excedente, que o ONS chama de “geração vertida de todas as fontes” (energia jogada fora) chegará a 50 GW, ou quase 50% do consumo máximo. É uma sobra que daria para atender aos países da América Latina, excluindo Argentina e México.
Mas o sistema elétrico tem uma condição essencial para funcionar: a geração, a cada milésimo de segundo, precisa ser igual ao consumo. Como a capacidade de gerar, atualmente, é muito maior que o consumo, usinas ficarão sem produzir ou gerar. As usinas não geram quando nem quanto querem, mas para atender a uma ordem do ONS, que equilibra instantaneamente oferta e demanda. Só que fazem contratos de venda de energia com distribuidoras e grandes consumidores. Se não gerarem, terão de comprar energia (de quem gerou) para honrar esses contratos.
Essa transação pode ter custo elevadíssimo. E, como não foi a usina a causadora do problema, exigirá ressarcimento do poder concedente, que “distribuiu” uma quantidade exagerada de outorgas. O consumidor pagará a conta, como pagou às hidrelétricas, eólicas e solares que ficaram impedidas de gerar.
Em 2023, já foi razoável o esforço do ONS para equilibrar oferta (excessiva) e demanda. Teve de acionar 25 GW de geração adicional para substituir a solar (no fim da tarde) e para o crescimento da carga no intervalo entre 14h e 18h. Em 2027, dado o grande aumento da participação da geração solar, o ONS terá de acionar, pela mesma razão, no mínimo 50 GW. É impossível fazer tudo isso apenas com hidrelétricas. Térmicas flexíveis precisarão ser despachadas. Se um quarto dessa geração adicional tiver custo médio de R$ 400 por MWh, a brincadeira passará de R$ 10 bilhões ao ano.
E ainda deve ser acrescentado o total de mais de R$ 110 bilhões de subsídios desnecessários, metade disso na antecipação de obras de transmissão para “escoar” a sobra. A tarifa crescerá, apesar do excesso brutal de oferta. O pequeno consumidor, sem margem de manobra, pagará bem mais.
Por que chegamos a tal estágio de mediocridade? É que a bem-sucedida inserção das FRVs não decorreu do planejamento ou de sinais econômicos adequados. Foi — e é — motivada, sobretudo, por subsídios desnecessários e arbitrados politicamente, a maioria por meio de emendas espúrias chamadas “jabutis”.
Um exemplo claro é o projeto de lei da energia eólica offshore, que trará para a conta de luz mais de R$ 600 bilhões.
Os subsídios desmedidos aceleraram em demasia o crescimento da oferta, deixando-a num inquietante desequilíbrio. E confirmam-se o axioma segundo o qual “em sistemas elétricos o desequilíbrio tem custos” e o corolário: “o consumidor paga a conta”.
*Edvaldo Santana, doutor em engenharia de produção e professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina, foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica
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