O desfecho das negociações entre Brasil e Paraguai sobre a revisão do Tratado de Itaipu pode resultar em aumento nas tarifas de geração, com potencial de gerar impacto direto na vida de 131 milhões de brasileiros do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Os reflexos de uma eventual alta serão distintos nos consumidores do Brasil e do Paraguai, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Valor sobre o tema, a partir da nova etapa de conversas entre os dois países, nesta semana. Conforme as regras do tratado, o Brasil assume a parte excedente que o Paraguai não utiliza. Na prática, os brasileiros respondem por 86% do pagamento da tarifa.
Na segunda-feira (15), os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Santiago Peña se reuniram para tratar da revisão do chamado Anexo C, cláusula do Tratado de Itaipu que estabelece as bases financeiras e de prestação de serviços de eletricidade. Lula e Peña admitem haver divergências sobre o tema e se mostraram dispostos a encontrar uma solução para renovar o tratado, que completou 50 anos em 2023. Peña bloqueou o orçamento da usina para pressionar o Brasil nas negociações. Anteontem, Lula defendeu uma “discussão profunda” sobre o Anexo C.
Enquanto os sócios não chegarem a um ponto em comum, as condições colocadas no acordo firmado em 1973 estão mantidas. Um aumento na tarifa beneficiaria o Paraguai porque o país recebe metade disso e paga apenas 14%, permitindo mais recursos para promover uma série de obras de infraestrutura.
Já uma redução no preço pode promover modicidade tarifária aos consumidores do Brasil. Também significa que os brasileiros pagariam menos pela energia do Paraguai, o que comprometeria a capacidade dos paraguaios de executar políticas públicas. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse ao Valor que defende que a usina mantenha a tarifa no patamar atual. Segundo ele, não há uma necessidade técnica de aumento, mas reforçou que “isso é uma decisão de governo e que se dará no momento adequado”.
Apesar de o discurso brasileiro seguir na linha de uma tarifa mais baixa, o atual diretor-geral de Itaipu, Ênio Verri, já admitiu ao Valor em abril de 2023 que pela proposta construída pelo governo Lula, a modicidade tarifária não é a prioridade e parte dos recursos será alocada em projetos sociais. O diretor financeiro da usina, André Pepitone, disse no dia 5 de janeiro, também ao Valor, que a decisão de baixar a tarifa e de aumentar as despesas de exploração foi a maneira encontrada para atender aos interesses paraguaios.
As negociações no lado brasileiro estão a cargo do Ministério das Relações Exteriores (MRE). Procurado, o Itamaraty não retornou o contato até a conclusão desta edição. A reportagem também contatou Itaipu Binacional, cuja resposta foi que procurasse o MRE.
A tarifa de energia corresponde à soma do pagamento da dívida de financiamentos para construir a usina e das despesas de manutenção, o chamado Custos de Serviço de Eletricidade (Cuse). A dívida representava 60% do total da Cuse e foi quitada em 2023. Como o tratado determina que a usina não pode ter lucro, a expectativa era que a tarifa de repasse da energia para as distribuidoras tivesse redução na conta do consumidor.
A tarifa da usina saiu de US$ 20,75 por kilowatt (kW) para US$ 16,71 kW em abril de 2023, no fim do mandato do ex-presidente Mario Abdo Benítez. Entretanto, nos últimos dois anos a empresa promoveu aumentos nas despesas de exploração para bancar obras alheias à geração de energia, como aeroportos, pontes, duplicação de rodovias. Na prática, a despesa anual de US$ 2 bilhões acabou em 2023, mas cerca de US$ 720 milhões por ano ainda são cobrados na conta de luz e canalizados para tais projetos. O valor independe de royalties repassados a Estados, municípios e União.
Para o presidente da Frente Nacional de Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, a expectativa com a quitação dos empréstimos da usina era que a tarifa “afundasse” para entre US$ 8 e US$ 10, o que não ocorreu. Estudos da usina também mostraram isso. “Nossa esperança é que o governo enfrente a discussão e não concorde com aumento, mas que busque reduzir a tarifa.”
Victor Iocca, diretor de energia elétrica da Abrace Energia, associação dos grandes consumidores de energia, avalia que, como o custo da construção da usina foi suportado pelas regiões Sul e Sudeste, seria justo que os consumidores destas regiões contassem com custos mais baixos. “A energia barata de Itaipu poderia ser comercializada em leilões e eventual excedente financeiro ser utilizado para reduzir encargos setoriais. Mas, para isso se tornar realidade, a binacional não pode ser utilizada como meio para alavancar políticas públicas regionais.”
Antigos gestores de Itaipu dizem que dar outras destinações ao dinheiro, estranhas ao setor elétrico, contraria regras de governança, viola o tratado, fere o pacto federativo e foge do controle de órgãos de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União, já que a binacional não é subordinada ao tribunal.
O ex-diretor-geral da usina Altino Ventura lembra que pelo tratado, a tarifa nem sequer poderia ser negociada, já que o cálculo deve ocorrer pelo custo. “Em função disso, foi mantido e aumentado o custo de manutenção e operação da usina, o que dá um excedente financeiro que é usado para fazer obras de pequeno interesse à comunidade brasileira, como mercadinhos no Paraguai e pontes no Paraná. Obras que têm um lado eleitoral”, diz Ventura.
Nos últimos anos, o discurso oficial tem considerado que a tarifa de Itaipu seria fruto de negociação entre os dois países. Especialistas dizem que isso seria descumprir as regras do acordo. O artigo IV do Anexo C do tratado diz: “A receita anual, decorrente dos contratos de prestação de serviços de eletricidade, deverá ser igual, em cada ano, ao custo do serviço estabelecido neste anexo”.
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