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A intimidade, a vida privada e o direito do consumidor – Parte 1

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Hoje começo a analisar as garantias constitucionais previstas no inciso X do art. 5º da Constituição Federal e que são relevantes para uma reflexão sobre os direitos do consumidor, eis que, na realidade há violações que a norma magna pretende evitar.

Vejamos o conteúdo expresso do inciso X:

“Art. 5º (…)

X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Como se observa, a Constituição Federal pretende dar guarida absoluta (“são invioláveis”) à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem. Tomemos cada um desses conceitos para compreender a extensão do preceito normativo.

Primeiramente, a intimidade e a vida privada. Os dois termos não podem ser dissociados, uma vez que, obviamente, o valor semântico de um lembra o outro. Porém, como a norma constitucional utiliza os dois, é preciso esclarecê-los. Aliás, de pronto, surge a indagação: são os dois conceitos designativos do mesmo sentido?

A doutrina que já analisou a questão respondeu que não, apesar da necessária imbricação de ambos1.

Para entender o exato significado dos conceitos, tem-se de lembrar certos aspectos da vida social na qual estão presentes as pessoas, naquilo que diz respeito a sua individualidade na relação com o coletivo. É preciso distinguir o âmbito público do âmbito privado.

Com efeito, o público é sempre aquilo que, como o nome diz, aponta para a participação aberta a todos ou para a possibilidade de participação de todos. É o que pertence ao povo ou à coletividade; ou mesmo apenas os atos vivenciados por poucas testemunhas, mas, assim, com caráter público. É ainda o formato real e abstrato dos atos do governo2.

O privado é o oposto do público, e, embora o conceito seja da Antiguidade, ainda guarda o sentido de privus, “ser privado de”, isto é, ser privado do público. É o que ocorre no domínio do lar, na órbita pessoal, no restrito âmbito doméstico.

Dessa maneira, pode-se perceber que todo indivíduo tem uma esfera privada de direitos e interesses. Mas nem todos têm uma atuação no âmbito público.

As pessoas, em geral, podem, é verdade, ter uma aparição ou reconhecimento público, quando, por exemplo, agem, ainda que esporadicamente, de forma pública: participando de um programa de televisão, cometendo um delito numa praça, enganando consumidores na venda de produtos falsificados.

A distinção entre as duas esferas pode ser feita a partir da hipótese do papel social, conforme estudado pela sociologia jurídica3.

O surgimento dos papéis está ligado ao crescimento da sociedade, de maneira que o conceito atualmente utilizado é o de complexidade, ou melhor, alta complexidade social.

O sentido de complexidade social está relacionado ao dado concreto e real das ações possíveis do indivíduo. Ou, melhor dizendo, o mundo real se apresenta ao indivíduo oferecendo latentemente ações que ele pode realizar. Mas a quantidade de ações é tão grande que, de fato, real e historicamente, o mundo apresenta sempre muito mais possibilidades do que aquelas que o indivíduo vai realizar em toda a sua vida.

O indivíduo está, assim, fadado a escolher. Desde que entra no mundo, vai agindo a partir de escolhas; não há alternativa. A essas escolhas se dá o nome de seletividade. Esta é uma operação de seleção para optar diante da complexidade de ações possíveis.

A cada ato, a cada passo, o indivíduo age por seleção e vai compondo o quadro de seu destino. A inexorabilidade da seleção tem como função reduzir a complexidade do mundo: a cada escolha que a pessoa faz, opera-se a seleção e reduz-se a complexidade — escolheu algo entre muitos4.

Mas, simultaneamente, enquanto se opera a seleção, vai-se produzindo um enorme contingente que ficou de lado: escolheu ser advogado; em compensação, não será juiz, promotor de justiça, procurador, delegado etc.

Continuo na próxima semana.

__________

1 Acompanho aqui os Professores David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior (Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva,  1998. Item 2.1.1).

2 Ressalvem-se os chamados “segredos de Estado”, justificáveis apenas na exata medida em que são segredos para preservar o bem público: segurança, paz etc.

3 Assim, por exemplo e pelos demais: Niklas Luhmann, Legitimação pelo procedimento.,Brasília: Ed UNB, 1980. Especialmente, p. 71 e s.

4 A escolha gera um alívio ao indivíduo. Como o mundo se apresenta com alta complexidade e milhões de possibilidades, isso por si só é fator gerador de angústia. A seleção a diminui.



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