O incidente da última sexta-feira (5) envolvendo um avião da Alaska Airlines arrepiou a espinha de quem se imaginou na situação dos 171 passageiros e seis tripulantes a bordo. A quase 5.000 metros de altitude, o painel de uma janela do Boeing 737 Max 9 rompeu, deixando um espaço aberto do tamanho de uma geladeira na lateral da aeronave em pleno voo.
Máscaras de oxigênio caíram para garantir a respirabilidade devido à despressurização, e, em cerca de 15 minutos, o avião conseguiu efetuar um pouso de emergência seguro. Apesar do susto, ninguém ficou ferido.
O caso fez com que as aeronaves do modelo Boeing 737 Max 9 em operação fossem recolhidas para inspeção pelo órgão regulador do setor aéreo dos Estados Unidos, a FAA (Administração Federal de Aviação, na sigla em inglês).
O movimento foi replicado em outros países, inclusive no Brasil. Segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), a única companhia aérea que usa o modelo é a panamense Copa Airlines, que suspendeu voos com a aeronave para revisão técnica.
Diante do ocorrido, passageiros podem sentir insegurança ao embarcar em aviões com histórico de incidentes, mesmo após inspeções rigorosas por parte dos órgãos reguladores.
Mas, de acordo com especialistas consultados pela Folha, os consumidores que se recusarem a viajar por causa do modelo do avião não podem recorrer ao CDC (Código de Defesa do Consumidor) para reembolso ou realocação para outro voo.
O motivo é que se considera o “princípio da boa-fé”, no qual a empresa prestadora do serviço se compromete a cumprir todas as especificações dos órgãos reguladores. Em tese, todas as aeronaves em uso são seguras e em conformidade com os critérios de aeronavegabilidade.
“O transporte aéreo de passageiros é um serviço extremamente regulado. Antes de a empresa colocar aviões no ar, ela precisa atender a uma série de critérios das autoridades”, afirma Renata Reis, especialista em direito do consumidor do Procon-SP.
“Quando a aeronave tem o aval do órgão regulador, ela está legalmente apta para operar. Não existe legislação que interfira nisso.”
No Brasil, a agência reguladora é a Anac, autarquia federal ligada ao Ministério de Portos e Aeroportos. O órgão diz não ter uma regulação específica para casos de recusa de embarque em aviões específicos e que não há necessidade de decisão adicional em relação à suspensão das operações com o Boeing 737 Max 9.
“A agência segue acompanhando, junto à FAA, a aplicação da Diretriz de Aeronavegabilidade”, disse a Anac em nota.
A sensação de insegurança não é a mesma coisa que perigo iminente e previsível -este, sim, regido pelo CDC. De acordo com o código do consumidor, são proibidos produtos e serviços que possam causar risco à saúde e à segurança. No caso da aviação, exemplos desse risco iminente ocorreram durante a fase mais crítica da pandemia de Covid-19, ao que foram estabelecidas novas diretrizes para biossegurança nos aviões.
“Se a aeronave está de acordo com os parâmetros da Anac, o CDC não tem como fazer a ligação entre o medo de embarcar com perigo iminente. São legislações que se complementam. Ou seja, o CDC não pode passar por cima do órgão regulador”, afirma Reis.
COMO SABER O MODELO DO AVIÃO EM QUE EU VOU VIAJAR? – A especialista acrescenta que é possível conferir o histórico de uma aeronave no site da Anac, mas é preciso que a companhia aérea responsável pelo voo informe o número de matrícula do avião. As empresas brasileiras costumam informar qual será o modelo usado na viagem no momento de compra das passagens. Para saber o número de matrícula, basta entrar em contato com os canais de atendimento das companhias.
Para Igor Britto, diretor de relações institucionais do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), os cuidados adotados pelo setor aéreo, que tem o dever legal de garantir a segurança dos cidadãos, andam ao lado da garantia dos direitos do consumidor.
Ele acrescenta, no entanto, que o princípio da boa-fé não exime a companhia aérea, a fabricante e o próprio Estado de serem responsabilizados por qualquer prejuízo, de maior ou menor grau, causado aos passageiros.
“Se tivermos outro incidente e ficar comprovado que a empresa sabia que o produto ou serviço representava um risco, ela será responsabilizada. As penalizações podem ir desde multas e indenizações à suspensão total de atividades da empresa. O mesmo vale para autarquias, que respondem legalmente ao Estado por possíveis omissões”, afirma.
QUAIS SÃO OS CASOS EM QUE O CONSUMIDOR PODE SER REEMBOLSADO? – De acordo com normas da Anac, o passageiro tem direito a reembolso integral em casos de atraso superior a quatro horas e cancelamento ou alteração do voo pela companhia aérea.
A empresa deve oferecer reacomodação em outro voo ou reembolso integral se o cancelamento for informado em prazo inferior a 72 horas. O passageiro tem direito de escolher entre as duas opções.
Caso ele não seja informado e descubra a alteração quando já estiver no aeroporto, a companhia aérea também deverá oferecer alternativas de reembolso integral, reacomodação ou execução do serviço por outra modalidade de transporte. Ela também deve oferecer assistência material, como alimentação, hospedagem e transporte.
“A Anac ressalta que a reacomodação é gratuita e deve ocorrer na primeira oportunidade, ou seja, em um novo voo cuja data e horário sejam mais próximos do voo alterado”, afirma. Se a alternativa não for conveniente ao passageiro, ele pode escolher outro voo, em diferentes datas e horários, contanto que seja da mesma companhia aérea e dentro do prazo de validade para reacomodação.
Para todos os casos, o prazo para estorno é de sete dias, contados a partir da data de solicitação do passageiro.
O reembolso também pode ser feito na forma de créditos para compra de uma nova passagem aérea, caso seja esse o desejo do passageiro.
A Anac ainda informa que as tarifas de embarque devem ser sempre reembolsadas ao passageiro que não embarcou. No entanto, nenhum valor será estornado se, por iniciativa do próprio consumidor, a viagem foi interrompida em aeroporto de escala ou de conexão.
Outro caso para reembolso é de arrependimento da compra. O consumidor, após receber o comprovante da passagem aérea, tem até 24 horas para desistir da viagem, sem qualquer custo adicional. Isso vale para casos em que o bilhete tenha sido comprado com sete dias ou mais de antecedência da data do voo.
A partir do pedido de desistência, o prazo para reembolso é de sete dias.
Se o consumidor desistir da viagem depois do prazo de 24 horas, a companhia aérea pode cobrar multas para remarcação, cancelamento ou reembolso, a depender das regras da empresa.
QUAIS SÃO OS AVIÕES USADOS PELAS PRINCIPAIS COMPANHIAS AÉREAS? – A LATAM informa que opera com os modelos Airbus A319, A320, A320Neo, A321 e A321Neo, para voos domésticos e na América do Sul. Para trajetos internacionais de longa distância, usa os modelos 777 e 787 da Boeing.
A Azul, por sua vez, usa Cessna Gran Caravan, ATR-72 600 e aeronaves Embraer E1 e E2. A companhia aérea também opera com os Airbus A320, A321 e A330.
A Gol opera uma frota única de modelos Boeing 737 (700, 800, NG e Max 8). “Não há nenhuma recomendação da Boeing com relação a inspeção dos modelos Max 8 operados pela GOL”, diz a empresa em nota.
O QUE DIZ A BOEING SOBRE O CASO? – Em nota publicada no site oficial, a fabricante afirma:
“A segurança é a nossa principal prioridade e lamentamos profundamente o impacto que este evento teve nos nossos clientes e nos seus passageiros. Concordamos e apoiamos totalmente a decisão da FAA de exigir inspeções imediatas dos aviões 737-9 com a mesma configuração do avião afetado. Além disso, uma equipe técnica da Boeing está apoiando a investigação do NTSB sobre o acidente de 5 de janeiro. Permaneceremos em contato próximo com nosso regulador e clientes.”
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