A desestatização da Sabesp, aprovada pelos deputados estaduais de São Paulo por 62 votos favoráveis e um contrário, na última quarta quarta-feira (6), permite, na prática, que o governo venda parte das ações que possui da empresa e transfira o controle da companhia para a iniciativa privada.
Isso significa que qualquer pessoa que tenha uma conta em uma corretora pode comprar ações da empresa. Ou seja, as ações da Sabesp que hoje são do governo (pouco mais de 50%) não serão vendidas a um único grupo de investidores, mas negociadas com todos os interessados.
Defensores desse processo argumentam que deve adiantar metas de expansão do saneamento e reduzir a conta de água, como conclui também estudo feito pelo IFC (International Finance Corporation), braço do Banco Mundial, encomendado pelo governo do estado.
A pesquisa diz que o modelo de privatização vai acarretar R$ 10 bilhões de investimentos adicionais, o que possibilitaria levar serviços de água e esgoto a cerca de um milhão de pessoas em favelas e áreas rurais.
Redução de tarifas divide especialistas
A viabilidade da redução de tarifa nos serviços após a privatização dividiu opinião entre os especialistas no assunto ouvidos pela CNN.
Críticos à privatização da Sabesp defendem que a privatização, sozinha, não é garantia de que a empresa vai baixar as tarifas, e que faria isso mediante subsídios do governo.
Para haver queda nos valores das tarifas, o governo paulista informou que vai criar o Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (FAUSP) e destinar 30% do valor de venda das ações, além dos dividendos do poder público na empresa, para reduzir a conta d’água, com foco na população de baixa renda.
O estudo do Banco Mundial diz que recursos gerados pela venda das ações poderão ser usados para reduzir tarifas à população.
No entanto, na opinião do engenheiro especialista em recursos hídricos Pedro Côrtes, o fundo criado pode não ser suficiente.
“O governo não deixa claro como esse fundo será constituído, como será feita a gestão desse fundo. Então, na prática, o grande temor é que esse dinheiro seja utilizado para subsidiar a tarifa durante algum tempo, na verdade, até com propósitos eleitorais, e depois esse fundo acabe não sendo o suficiente para fazer a gestão da tarifa”, opinou.
O especialista calcula que, em termos práticos, o que o governo de São Paulo poderia oferecer de subsídio em cada conta seria R$ 5,40 ao mês (com o modelo desenhado). Isso se o fundo constituído for utilizado exclusivamente para essa finalidade.
No entanto, se o poder público utilizar apenas os dividendos que vai receber para subsidiar a tarifa, ele poderia fornecer algo em torno de R$ 3,40.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Gesner Oliveira, concorda com a redução, principalmente para as famílias de menor poder aquisitivo.
“Eu acredito que é algo correto de você favorecer os mais pobres de duas formas. Primeiro suprindo um serviço que eles não têm e que tem tanta importância para a saúde, para a educação, para o meio ambiente, que é o saneamento básico. Segundo, fornecendo de uma forma a ter mais tarifa social sem onerar excessivamente o orçamento das famílias mais pobres. Acho plenamente justificável e sustentável”, diz.
Côrtes pontua que pode haver pressão do grupo empresarial que assumir a companhia para que haja revisão dos valores pagos pelos consumidores a fim de arcar com os investimentos em infraestrutura necessários para manter e ampliar a rede.
“A tendência é que os investidores queiram um aumento de tarifa porque, com isso, eles conseguem amortizar o investimento realizado para atender as metas especificadas pelo governo e, ao mesmo tempo, eles conseguem ter o retorno sobre o capital investido (na compra da Sabesp)”, explica.
“Então, de um lado vai ter os investidores pressionando um pouco para o aumento da tarifa e vai ter o governo tentando fazer com que essa tarifa não seja majorada. Então, vai ter que colocar subsídio nessa conta”.
Já o professor de economia concorda com a pressão sobre a tarifa por parte do grupo investidor, mas acredita que o subsídio será suficiente para manter os preços.
“Quando você tem uma aceleração grande de investimentos há naturalmente uma pressão sobre a tarifa, mas justamente parte dos recursos serão utilizados para impedir que isso ocorra”, explica.
Qualidade do serviço
Quanto à qualidade do serviço prestado, Oliveira indica que o resultado dependerá de uma série de fatores, como a regulação por parte da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp).
“A empresa também tem de fazer sua parte. Mas é importante que o contrato de concessão seja bem feito, com incentivos claros, punição a serviço mal feito e bônus a serviço bem feito”, disse.
O especialista destaca que “cada caso é um caso”, mas afirma que a literatura indica que as concessionárias privadas tendem a oferecer serviço de melhor qualidade que as públicas.
Universalização do saneamento
Quanto à meta estabelecida pelo Novo Marco Legal do Saneamento de universalizar serviços, o estudo do braço do Banco Mundial diz que, com a privatização, o prazo poderá ser adiantado de 2033 para 2029.
Segundo o Marco, a universalização significa 99% da população abastecida com água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgoto. Do total dos domicílios atendidos pela Sabesp, 98% possuem água tratada, e 83% têm seu esgoto coletado e tratado.
O governo de São Paulo defende que, para atingir esta meta, a Sabesp precisa de mais investimentos. Com a privatização os R$ 56 bilhões previstos para este objetivo até 2033 vão saltar para R$ 66 bilhões.
“Estamos falando de R$ 10 bilhões a mais do que a Sabesp investiria, e quatro anos a menos do previsto [para a universalização], diz o governo em comunicado.
Para Gesner Oliveira, a aceleração deste processo é o “principal impacto” da privatização. “Ainda há uma lacuna grande no saneamento. Entrando mais capital será possível fornecer serviços para comunidades que estão fora do serviço”, completa.
Próximos passos da privatização
O projeto de lei agora vai à sanção do governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e será publicado no Diário Oficial. Em paralelo, o governo conversa com municípios para a renovação do contrato de concessão até 2060. Estão sendo definidas novas regras para revisões tarifárias.
Todas essas definições devem acontecer antes do início da oferta pública das ações na Bolsa de Valores, no primeiro semestre de 2024. A previsão é que o processo seja concluído até julho de 2024.
Veja também: As consequências da privatização da Sabesp
*Publicado por Danilo Moliterno.
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