Uma reportagem da Carta Capital, de dezembro do ano passado, evidenciou os problemas que os beneficiários de plano de saúde têm enfrentado no Brasil para ter acesso a um serviço de qualidade.
A matéria trouxe à tona que os prejuízos, na maioria das vezes, recaem sobre o consumidor. Somente no ano passado, foram realizadas 963 reclamações por dia, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) — órgão que fiscaliza, regularmente e monitora as operadoras de plano de saúde no Brasil. Esse número representa um salto de 120% no universo de queixosos, em comparação com 2019.
A apuração jornalística mostra que os motivos predominantes para a revolta de usuários são as taxas consideradas abusivas, a falta de autorização de cirurgias e exames e problemas com reembolsos.
Essas questões tomaram amplitude nacional e puderam ser comprovadas recentemente, quando a Advocacia-Geral da União (AGU) divulgou que aceitou o pedido da ANS de aplicar uma multa no valor de R$ 185 mil a uma empresa de Minas Gerais. Ela teria agendado um procedimento cirúrgico para uma data futura ao ponto de colocar em risco a vida do paciente.
Esse caso não é incomum e, para melhor lidar com essas demandas, é preciso que os contratantes dos planos de saúde conheçam os seus direitos, que são regulamentados pela Lei nº 9.656 .
F5 News conversou com o advogado especialista em Direito do Consumidor Vinicius Emanuel, levando a ele algumas questões recorrentes no universo de usuários e cujo desconhecimento pode resultar em maiores prejuízos a eles, confira.
F5 News – Caso a pessoa não realize o pagamento mensal do plano de saúde, o contratado pode deixar de oferecer os serviços de saúde?
Vinícius Emanuel – Sim, é possível que ocorra o cancelamento do plano, mas não de forma automática. Há previsão legal no sentido de ser permitida a suspensão ou mesmo a rescisão unilateral do contrato, em caso de fraude ou não pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato. Caso ocorra alguma dessas hipóteses, o procedimento somente será considerado válido se o consumidor for comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência.
F5 News – O contrato pode ser finalizado de forma unilateral?
VE – A finalização ou rescisão, por iniciativa da operadora, somente é permitida em caso de fraude ou atraso no pagamento, respeitando-se as condições anteriormente mencionadas. Contudo, a rescisão não será permitida, caso o titular esteja em situação de internação.
F5 News – O que é obrigatório e o que não é obrigatório ser ofertado pelo plano de saúde?
VE – Além do que está no contrato, será obrigatório tudo que está incluído no rol de procedimentos da ANS, o qual é atualizado periodicamente. No entanto, com a vigência da Lei n.º 14.454 de 2022, foram estabelecidos critérios para que os beneficiários dos planos de saúde possam solicitar cobertura de procedimentos mesmo que estes não estejam no rol da ANS. O rol constitui uma referência básica para os planos, mas se algum procedimento não estiver incluído, mesmo assim deverá ser oferecido, desde que sejam respeitados os seguintes requisitos:
Exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais.
F5 News – Na maioria das vezes, as pessoas adquirem um plano de saúde buscando um atendimento mais rápido do que o oferecido em geral pelo SUS. Mas acabam também enfrentando filas de espera longas, alto preço de serviços e dificuldade para marcar consultas/exames. Nesse caso, enquanto pessoa contratante de um serviço, existe um prazo para que o serviço seja liberado? Caso não seja liberado dentro desse prazo, o que pode ser feito?
VE – Sim, existem prazos máximos específicos, estabelecidos pela ANS, e dependem de cada tipo de procedimento. Por exemplo, em situações de urgência e emergência, o atendimento deve ser imediato; já para exames de análises clínicas, o prazo é de até três dias úteis; consultas básicas devem ser realizadas em até sete dias úteis; consulta com especialista, 14 dias úteis; já procedimentos de alta complexidade, devem respeitar o prazo de até 21 dias úteis.
Os limites podem ser consultados pelo beneficiário, diretamente junto à ANS, inclusive pela internet. Em caso de dificuldade de atendimento, o consumidor deve entrar em contato com a operadora do plano e pedir o direcionamento para a realização do serviço solicitado, anotando o protocolo, para em seguida contactar a ANS solicitando a mediação da situação. Se ainda assim houver resistência, é possível acionar o Poder Judiciário.
F5 News – Em relação ao reajuste anual do plano de saúde, até quanto é permitido por Lei cobrar?
VE – A ANS limitou, especificamente, em 9,63% o reajuste de planos de saúde familiares e individuais, para contratos realizados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei 9.656/98, sendo este teto válido para o período de maio de 2023 a abril de 2024. Importante verificar se o reajuste respeitou não só o índice, mas igualmente o mês de aniversário do contrato, ou seja, o mês no qual o contrato foi assinado.
F5 News – Nos casos das pessoas que precisam realizar a portabilidade, pois mudaram de estado, existe alguma exceção que não permita conseguir o direito?
VE – A portabilidade dos planos de saúde, um direito de todos os usuários, pode ser comparada, a grosso modo, com a troca da operadora de telefonia. No caso do plano de saúde, o que o beneficiário leva consigo é a carência já cumprida no plano anterior, e não o número do telefone.
É preciso, entretanto, diferenciar a portabilidade de migração. Enquanto na portabilidade há uma troca de operadora, na migração, ocorre uma mudança de contrato dentro da mesma operadora. Para realizar uma ou outra opção, o consumidor deve atender alguns requisitos, entre eles, ter um contrato ativo e estar adimplente. A justificativa de não ter o CPF ainda na base de dados, não é compatível com a norma consumerista em vigor e deve ser denunciada à ANS, que deverá iniciar o procedimento para tentativa de solução da questão.
F5 News – No caso das pessoas que realizam um exame particular, pois não conseguiram a portabilidade, eles têm direito ao ressarcimento?
VE – Uma vez identificado que houve falha na prestação do serviço por parte da operadora, o consumidor certamente terá direito às respectivas compensações, que podem inclusive superar o prejuízo de ordem material decorrentes das despesas, ensejando ainda o ressarcimento por danos morais, de acordo com a análise individual de cada caso.
F5 News – Quais os caminhos para oficializar queixas?
VE – Sempre que o consumidor enfrentar algum tipo de dificuldade quanto ao cumprimento de seus direitos pela operadora do plano de saúde, é importante ressaltar que ele pode e deve acionar a ANS para que a agência, tendo conhecimento da demanda, faça a necessária mediação do conflito.
A busca da solução administrativa, em que pese não obrigatória, pode trazer resultados mais céleres que a judicialização imediata. Por outro lado, há casos onde a espera é temerária, e o beneficiário tem a prerrogativa de lançar mão de ferramentas como pedidos liminares e antecipações de tutela, para ter seu direito protegido judicialmente.
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