Além de não informar ao consumidor a que se refere, a taxa é obrigatória, o que faz com que ela não se enquadre como gorjeta
17 JAN 2024 • POR Alanis Netto, Eduardo Miranda • 18h33
Gerson Oliveira/Arquivo Correio do Estado
Por considerar a cobrança de “taxa de serviço” do iFood indevida, a Associação de Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul (Adecon-MS) ingressou com ação civil pública contra a empresa, e solicitou, por meio de liminar, a suspensão da taxa de serviço implementada pelo aplicativo em 2021 e ainda cobrou danos morais coletivos de R$ 815,2 milhões.
O processo tramita na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande e pode ter, em breve, uma decisão do juiz titular, Marcelo Ivo de Oliveira.
O advogado especialista em direito do consumidor e membro comissão de direito do consumidor da OAB/MS, Leandro Provenzano, explica que a primeira irregularidade percebida na cobrança da taxa é o “desrespeito ao direito de informação”, já que ela é cobrada de modo que o consumidor não tem como saber a que ela se refere.
“A ‘taxa’ em direito tributário é uma dentre algumas das modalidades de tributos, cujo valor deve representar uma contraprestação proporcional do uso de alguma coisa, como por exemplo água e luz: a taxa de iluminação pública é calculada de acordo com nosso consumo mensal. Portanto, o nome já está errado e traz uma dúvida na cabeça do consumidor”, explica Provenzano.
O iFood alega que trata-se de um serviço oferecido pela empresa e, como a intermediadora está sediada em Osasco (SP), é nesse município que ela recolhe ISS e emite sua nota fiscal. Em seu site, a empresa associa a cobrança à Lei da Gorjeta, segundo a qual os restaurantes podem cobrar um porcentual sobre o valor total da conta para ratear o valor arrecadado entre seus funcionários. Normalmente, esse valor é de 10%.
Alpém disso, conforme apurado pelo Correio do Estado e noticiado anteriormente, o valor arrecadado com a taxa de serviço não é repassado ao lojista ou ao proprietário de restaurante parceiro. Desses, a plataforma já cobra outro porcentual, que varia de 12% a 23%.
O advogado aponta que mesmo que a empresa alegue que a taxa represente uma questão tributária ou se trate de uma espécie de gorjeta, a cobrança continua sendo indevida.
“Se ela representar alguma questão tributária, está errado cobrar isso do consumidor, pois os pagamentos de tributos nesses casos são de responsabilidade da empresa que comercializa, e não se pode repassar esse custo para o consumidor. Se a ‘taxa’ se referir a uma espécie de gorjeta, igualmente está errada porque ela não pode ser obrigatória”, avaliou.
E qual seria a solução para o consumidor?
Provenzano explica que, nesse caso, como não é possível finalizar a compra sem pagar a taxa, o único caminho seria o consumidor entrar com uma ação judicial para reaver o valor da taxa.
“Em relação à indenização por danos morais, como neste caso o dano moral não é presumido, ele precisa ser provado”, acrescenta.
Segundo o advogado, como o normalmente o valor da taxa é muito pequeno, acaba não compensando para o consumidor comum entrar com este tipo de ação judicial.
Ação Civil Pública e cálculo de indenização
Caso o magistrado decida favoravelmente à Adecon-MS e lhe conceda antecipação da tutela, o efeito da decisão de suspender a taxa de serviço implementada pelo aplicativo em 2021 pode ter alcance nacional, por tratar-se de ação civil pública.
A Adecon-MS pede que a empresa pague R$ 815,2 milhões de indenização por dano moral coletivo. Para o cálculo do valor, foram utilizadas a média de pedidos mensais da empresa de lá para cá: em 2021, a média era de 65 milhões de pedidos por mês e, no ano passado, era de 70 milhões de pedidos por mês.
No dia 8 de dezembro de 2023 foi o dia recorde do iFood, com 70 milhões de pedidos em um só dia.
Também foi contabilizado o valor mínimo da taxa, de R$ 0,99, muito embora tivesse sido constatada a cobrança da taxa de serviço de valores superiores.
Por fim, a Adecon-MS usou um estudo sobre preferência do consumidor e valor gasto pelos clientes da plataforma para chegar a um quantitativo de pedidos de até R$ 20, nos quais sempre existe a taxa.
Nos pedidos acima desse valor, embora a cobrança exista, segundo a Adecon-MS, não há transparência quanto aos critérios utilizados.
O valor, sem correção, obtido com esses parâmetros é de R$ 360 milhões, porém, com as correções legais, são corrigidos para R$ 407,6 milhões. Como em casos de direito do consumidor o dano moral coletivo é cobrado em dobro, a Adecon-MS chegou ao valor de R$ 815,2 milhões.
O iFood foi procurado pelo Correio do Estado, mas não respondeu aos questionamentos até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto para o posicionamento da empresa.
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